quarta-feira, 5 de maio de 2010

Desmistificando os argumentos da indústria fonográfica

Na semana passada, a IFPI (Federação Internacional da Indústria Fonográfica) lançou um relatório sobre a venda de músicas, chamando a atenção para a redução de 7% em suas vendas globais. A maior parte das matérias sobre o tema e o release da própria IFPI chamam a atenção para este dado, e colocam a pirataria física e a troca de arquivos pela internet como responsáveis por este cenário. No entanto, um outro importante dado foi deixado em segundo plano: em 13 países, inclusive no Brasil, o mercado de música cresceu em 2009. A federação da indústria alega que este crescimento é resultado do combate à pirataria nestes países, mas o jornalista Nate Anderson questiona este argumento, como podemos ver na seguinte matéria da revista A Rede, que reproduz as informações do portal Ars Technica:

28/04/2010 - A Federação Internacional da Indústria Fonográfica (IFPI, na sigla em inglês) publicou hoje um release em que anuncia o lançamento de seu relatório sobre o mercado global de música, edição 2010, com números de 2009.

O estudo custa 550 libras esterlinas e o release publicado hoje não traz muitos números, mas afirma que a venda de música, apesar de ter caído 7% em termos globais, cresceu em 13 grandes mercados em 2009. Inclusive no Brasil. O IFPI tenta atribuir isso a políticas de combate ao compartilhamento de arquivos. E no artigo abaixo, publicado no portal Ars Technica, o jornalista Nate Anderson desmonta este argumento. Veja:

"Veja que surpreendente: as vendas da indústria fonográfica cresceram em 13 grandes mercados em 2009. Austrália, México, Coreia do Sul, Suécia, Grã Bretanha e Brasil estão entre os países que registraram crescimento na receita de vendas. E a indústria global de música afirma que isso é uma prova da necessidade de leis mais rígidas para combater a pirataria.

'Na Coreia do Sul e na Suécia, em particular, houve uma impressionante volta do crescimento', diz a Federação Internacional da Indústria Fonográfica (IFPI, na sigla em inglês), 'demonstrando como um ambiente legal aprimorado pode ter um impacto benéfico sobre a venda legítima de música'.

Pode ser até verdade! Os dados, no entanto, são ambíguos. Na Suécia, uma lei de 2009 deu aos detentores de direitos autorais um mecanismo mediado pela Justiça para ter acesso aos nomes de pessoas acusadas de infringi-los e os administradores do Pirate Bay foram a julgamento. Mas essas duas táticas são usadas nos EUA há anos (lembra-se do caso Grokster e de todos aqueles processos de P2P contra indivíduos?). Então porque os Estados Unidos responderam pela maioria das perdas nas vendas globais dessa indústria em 2009, mesmo contando o crescimento da indústria da Suécia? O "ambiente legal aprimorado" na Suécia não pode ser a única resposta.

Como se explica o caso da Austrália? Naquele país, um juiz federal recentemente publicou um veredito de mais de 200 páginas no qual decide que os provedores de acesso e serviço não podem ser obrigados a agir a partir do recebimento de notificações de proprietários de direitos autorais e muito menos ter qualquer responsabilidade de desconectar usuários da internet. Ainda assim as vendas cresceram. O México não está atacando os usuários de P2P e as vendas lá também cresceram.

A solução legal preferida da indústria continua a ser a resposta gradual e ao fim a deconexão da internet, mas uma rápida olhada nos dados da IFPI não mostra nenhum grande motivo para adotar uma punição tão draconiana ao final do processo.

Na Coreia do Sul, primeiro país a implemetar uma lei de resposta gradual "three strikes" que desconecta pessoas que repetidas vezes compartilham arquivos, 30 mil notificações de infração foram enviadas no ano passado, mas nenhum sul-coreano foi desligado da internet. E as vendas cresceram.

Muitos provedores mandaram notificações a seus usuários em 2009, mas nenhum deles estava desconectando seus assinantes. Mesmo o recém aprovado Ato da Economia Digital não permite o desligamento de usuários por pelo menos mais um ano. Ainda assim as vendas cresceram.

A IFPI não lista a França entre os países onde as receitas cresceram... apesar do fato de a França ter aprovado a legislação de desconexão da internet mais rígida de toda a Europano ano passado. De fato, um estudo recente realizado na França mostrou que a pirataria pela internet na verdade aumentou desde que a Lei Hadopi foi aprovada, ainda que tenha migrado das redes P2P para os sites de download e de HTTP streaming.

Então, porque as vendas crescem? O ambiente legal pode ter algum efeito, mas novos modelos de negócios também têm impacto. Na Suécia, por exemplo, está o Spotify, um serviço de música que vive de anúncios e é superpopular na Europa. Mesmo a IFPI atribui o crescimento a uma combinação de mudanças na legislação e o 'lançamento de serviços populares e legítimos (não-piratas)'.

Ao ver este tipo de dado da indústria ano após ano, somos deixados com duas reflexões. Primeiro, a inovação é crucial - se se tornar mais fácil usar Hulu e Spotify do que fazer downloads de versões de programas de TV e música nas redes P2P e muitos piratas vão se legalizar.

Em segundo lugar, a indústria ultrapassou o 'three strikes' e ele já nem é mesmo necessário — as desconexões da internet geraram ondas enormes de descontentamento e não há relação clara entre essas leis e o aumento nas vendas. Uma tentativa de chegar a um acordo iria angariar apoio no mundo todo, assim como avisos e uma possível redução na velocidade da conexão ou uma multa pequena e apropriada como finm do processo (com acompanhamento judicial) iria contribuir muito para remover a máscara do anonimato no compartilhamento de arquivos. Muita gente ponderada teria apoiado essas medidas limitadas e com foco e se a indústria houvesse pretendido menos teria conseguido mais.

Em vez disso, a indústria vem com as desconexões e o ACTA. E se não consegue aprovar leis, começa a processar indivíduos (como a indústria fonográfica fez na Islândia e a de audiovisual fez na Austrália).

Mais de 30 países registraram taxas de crescimento de dois dígitos nas vendas de música no formato digital em 2009 (e em 17, o crescimento foi mais de 40%!) e 13 grandes mercados registraram crescimento de vendas em formatos analógicos e digitais. Assim, fica claro que a indústria fonográfica não está prestes a encolher até desaparecer. Ainda assim, o mercado diminuiu 7% no mundo inteiro, principalmente por conta dos EUA e do Japão. O presidente da IFPI, John Kennedy, acredita que seu negócio vai voltar a crescer, mas que isso depende de 'quão rápido os governos agirem contra a pirataria'."

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